sexta-feira, 22 de outubro de 2010

"O planeta está empanturrado de gente com fome".

Hoje, nesta postagem, a reflexão não é minha, mas achei que valia a pena postá-la, até para que seja, no futuro, quem sabe, retomada, no bojo de alguma inquietação.
Antes da citação, porém, recordei-me de que alguém me disse uma vez que quem escreve e quem faz questão de pensar deve sempre ter por perto um papel e uma caneta, uma caderneta de anotações. É esse o papel do meu computador.
Direto, pois, ao assunto, decidi transcrever o seguinte trecho do livro "O humanismo como categoria constitucional", do Doutor em Direito Constitucional da PUCSP e atual Ministro do STF, Carlos Ayres Brito:
"Pois o certo é que o humanismo não se tem feito acompanhar senão de uma prática muito aquém dos prometidos mundos e fundos. Tem sido algo muito mais retórico do que real. Bom para a auto-estima das pessoas patrimonializadas e dos países ditos desenvolvidos, mas incapaz de esconder a vexatória verdade de que somente uma micro-minoria de seres humanos é que vive de regular para ótimo. Já a macro-maioria, muito ao contrário, vive mesmo é de ruim para péssimo. Como evidenciam dramáticos desníveis de riqueza e de saber entre os Estados Unidos da América do Norte e países membros da União Européia, de um lado, e, de outro, parte dos países da Ásia e a grande maioria dos povos da África e da América do Sul. Tanto quanto as gritantes assimetrias entre habitantes dos próprios Estados mais ricos. No interior deles, então. Não sendo despropositado dizer, trocadilhando, que o planeta está empanturrado de gente com fome."

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Eu recomendo: "Juízo, os jovens infratores do Brasil".

Muitas vezes é difícil ou mesmo impossível ao estudante de direito conhecer de perto a realidade do sistema prisional e do cumprimento de medidas socioeducativas de internação no Brasil. Uma boa saída é conhecer e assistir a documentários de qualidade produzidos sobre a odiosa realidade brasileira, que a letra fria dos códigos e a beleza e rigor conceitual das doutrinas mascaram.
"Juízo: os jovens infratores do Brasil" é bom exemplo e sugestão que já deixo feita (pode ser assistido pelo Youtube, bela ferramenta de divulgação da cultura).
A pretexto de discutir a justiça infracional, o filme revela o fosso inacreditável existente entre a realidade e a mentalidade de gabinete de muitos operadores do direito.
Como Defensor Público criminal, confesso que, após assistir a película, agradeci por trabalhar com bons juízes. Não sei se é a realidade de todos, mas é a minha...
Digo isso, pois não compactuo com a falta de serenidade do Estado-Juiz. As "broncas" dadas ainda no curso da leitura da representação (a "denúncia" no caso de atos infracionais) demonstraram despreparo humano.
Certo Juiz de São Paulo fez a mesma crítica, mas o ilustre presidente da OAB/SP (!?) parabenizou aquele modo inquisitivo e preconceituso de trato com os adolescentes (vide em www. conjur.com.br/2008-mar-17/juizo_expoe_impotencia_justica_lidar_menores).
A Juíza à imprensa disse ainda que prefere "falar com os adolescentes como se fosse um filho" (vide mesmo texto do CONJUR). Mas ela não se parece nem um pouco com a minha mãe, e muito menos com o ideal de família fundada no afeto e no respeito que conhecemos.
Enfim, não gostei da prestação jurisdicional.
Pior ainda ver o Ministério Público (o fiscal da lei e da ordem democrática) lá do lado, compactuando com tudo, achando tudo muito certo, tudo bem "retributivo", "preventivo" e "ressocializante" (bem ao gosto dos manuais).
No filme, todos as histórias são verídicas, assim como os operadores do direito. Só não são verídicos os adolescentes, substituídos por atores para preservar a intimidade e a imagem dos realmente envolvidos (pelo menos no filme isso foi respeitado).
Mas assustadoramente, na obra os elementos mais teatrais e dramatizados são os profissionais do direito!
A vida e suas mazelas, os conflitos sociais eclodidos e individualizados em cada caso tratado perdem sentido diante da pretensão exacerbada, principalmente daquela juíza escondida por detrás da toga, de distribuir justiça em pílulas e de modo imediato.
Que se danem os problemas do mundo (prisional) e os princípios e as boas intenções. O compromisso do Judiciário é com a técnica e com a dogmática. Fiat Justitia, pereat mundus...
A insensibilidade é a tônica. O despreparo aflora. Mas não se trata de ficção. O ser humano assusta. Mas aquele que opera o Direito e se desumaniza assusta mais.
Lembro Del Vechio: "a história das penas, em muitas de suas páginas, não é menos desonrosa para a humanidade do que aquela dos delitos" (La Giustizia, Roma, Editrice Studium,1946, p.192).
E para não alongar muito, termino por aqui, recomendando mais uma vez a reflexão sobre o tema.