quarta-feira, 22 de julho de 2009

Noções elementares dos embargos de divergência em matéria penal.

Os embargos de divergência são oponíveis contra decisão proferida por Turma do STJ ou do STF, no julgamento de recurso especial ou extraordinário, contrária a decisão de outra Turma, Seção ou Órgão Especial do mesmo Tribunal. Decisões de outros tribunais não caracterizam divergência.
A previsão legal do recurso em testilha repousa no artigo 29 da Lei n.º 8.038/90, que disciplina os recursos nos Tribunais. Embora referido artigo trate do cabimento contra decisões do STJ, também é cabível no STF, por força do artigo 546 do CPC e de norma do Regimento Interno do Supremo.
O STJ funciona em três Seções especializadas, cada qual composta por duas Turmas. Assim, a Primeira Seção é formada pela 1.ª e 2.ª Turma, a Segunda Seção pela 3.ª e 4.ª Turma e a Terceira Seção pela 5.ª e 6.ª Turma. A matéria criminal no Âmbito do STJ é da alçada da Terceira Seção, e portanto, também julgada pela 5.ª e 6.ª Turma.
Os embargos de divergência serão julgados:
  1. Pela Seção, quando houver dissídio entre Turmas da mesma Seção (v.g. divergência entre a 5.ª e a 6.ª Turma do STJ será julgada pela 3.ª Seção);
  2. Pelo órgão Especial, quando houver divergência entre turmas de Seções diferentes; entre Turma e outra Seção, ou entre a turma e o próprio Órgão Especial.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

"Soldado Zero Um, traga os Direitos Humanos pra ele..."


Vi a foto em destaque pela primeira vez dentre inúmeras outras do fotojornalismo premiado de 2008. Para quem não consegue ler, o porrete traz a inscrição "Direitos Humanos".
Em busca na internet, encontrei-a na página "O Globo". Continua lá no sítio, para quem quiser conferir, a informação de que o taco com a inscrição "Direitos Humanos" pertencia a um bandido.
Tenho o direito de não acreditar na versão dada à origem da inscrição. Mormente porque já estou farto das histórias de porretes, e dos matagais, e dos entorpecentes que se plantam em flagrantes e das invasões de domicílio sem mandado, e das práticas de tortura ensinadas pela película sangrenta de "Tropa de Elite". Defensor Público escuta todo dia tais relatos, e passa a acreditar neles, em especial quando vê as marcas psicológicas e físicas que deixam no lombo da marginália.
Ao Defensor Público é dada diariamente a prova que Tomé exigia da violência sofrida. Por outras palavras, para ser explícito como a foto: acredito porque vejo e, porque vejo, denuncio. Não obstante, de fato, o sistema de justiça está repleto de incrédulos.
Enfim, sei que a arma em destaque na fotografia é arma do Estado.
A imagem, como todas as outras, tem profundo valor simbólico. É o retrato da concepção comum dos Direitos Humanos. Afinal, boa parte dos "humanos direitos" pretende ver o controle social institucionalizado praticando somente essa política de implementação dos direitos humanos: a do porrete.
A foto é premiada porque denuncia sem palavras uma realidade massacrante. A realidade da segregação social a que se dá resposta somente com violência. A arte fotográfica tem valor porque eterniza a indignação e porque nos devolve a perplexidade, roubada de tantas maneiras.
Sobre os ombros do gigantesco policial sem rosto, pesa a política estatal de Direitos Humanos. A mesma política, tão velha e sempre a mesma, que levou morte ao Carandiru e que fomentou o nascimento de facções criminosas no Estado, a mesma que não se dando conta das diferenças, das necessidades de uma sociedade desigual, aposta na violência como instrumento de Justiça e Paz.
Não é essa a polícia que o Estado de Direito reclama e sem dúvida não é o porrete que o pobre espera.
Bem por isso, encerro lembrando Norberto Bobbio. Em "A Era dos Direitos", está a conclusão de que mais do que declarar Direitos Humanos, o desafio posto à nossa geração é colocá-los em prática.
Que não seja pelo porrete!

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Quando Eduardo Galeano visita meus estagiários.




Costumo conversar muito com meus estagiários, na Defensoria Pública.

Nosso trabalho desafia o senso comum e a recíproca é dolorosamente verdadeira. É preciso boa dose de otimismo para não se deixar vencer pela cultura policialesca, punitivista.

Ultrapassar os estreitos limites da dogmática e conviver com os princípios da nossa Constituição em vias de concretização é a tarefa de todos os dias.

Nas paredes do gabinete, vou pouco a pouco semeando alguns pensamentos célebres (trechos de Roberto Lyra, Ferrajoli, Zaffaroni etc), esperançoso de que quem trabalha comigo seja contagiado pela loucura e incomodado pelo desafio sempre proposto de fazer a defesa de quem aparentemente não merece ser amado.

A poesia tem sido de algum modo aliada, quando o que pretendo dizer não encontra eco na letra fria da lei e dos códigos.

Vez ou outra, quando os animos se acirram diante de um caso concreto, e os estudantes me questionam sobre a Justiça e os fundamentos do direito intransigente à defesa, me valho da lição do poeta uruguaio, convidando-os a olhar o mundo segundo o prisma crítico e humanitário do escritor.

Em "Os ninguéns" de Eduardo Galeano, o perfil de quem bate às portas da Defensoria Pública:

"As pulgas sonham com comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico a sorte chova de repente, que chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chove ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.
Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos;
Que não são, embora sejam;
Que não falam idomas, falam dialetos;
Que não praticam religiões, praticam superstições;
Que não fazem arte, fazem artesanato;
Que não são seres humanos, são recursos humanos;
Que não têm cultura, têm folclore;
Que não têm cara, têm braços;
Que não têm nome, têm número;
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata."

sexta-feira, 10 de julho de 2009

A Revolução Constitucionalista de 1932

Ontem foi 9 de julho, comemeoração estadual da Revolução Constitucionalista de 1932. A imprensa noticiou o fato histórico em notas curtas. Resolvi refletir um pouco a respeito, revisitando notas antigas, livros e sites da internet. Trata-se de fato curioso, durou cerca de 90 dias e ocasionou a morte de inúmeras pessoas. Uns dizem que foi movimento elitista, mas a história faz questão de vinculá-la a ampla participação popular. Fiquei me questionando se a população do incipiente estado industrial, essencialmente agrária, mas em transição para o modo de vida proletário, tinha educação e conhecimento suficiente para se engajar conscientemente em prol de um movimento constitucionalista.

A idéia de Constituição traz o germe da contenção de poderes, com a estruturação política (espacial e de poder) do Estado. Hoje em dia, poucos cidadãos sabem o que é realmente uma Constituição. O senso comum não sabe distinguir os conceitos de uma portaria, de um decreto e da Cosntituição Federal. Por que o povo naquela época saberia? Bem ou mal, foram cooptados pelos interesses políticos da elite bandeirante.

Mas tal constatação não retira da data seu valor democrático. Consciente ou não, o povo paulista, derrotado nas armas, contribuiu para colmatar a idéia de necessidade de uma Constituição como norma estruturante do Estado Brasileiro. A vitória foi, portanto, ideológica.

A revolução de 1930 basicamente impediu a posse de Julio Prestes (governador de São Paulo) na Presidência da República, que ascenderia ao Poder rompendo a politica do café-com-leite da República Velha. A preterição do candidato de Minas Gerais, ocasionou a aliança de Minas com Rio Grande do Sul e Paraíba no Congresso Nacional, com formação da Aliança Liberal e a indicação de Getúlio Vargas, Ministro da Fazenda da Presidência de Washington Luis, como candidato à Presidência da República.

A derrota de Getúlio nas urnas foi acachapante, e as denúncias de fraude eleitoral ocorreram para ambos os lados, embora se tenha notícia de que Julio Prestes, do Partido Republicano Paulista e vencedor do pleito presidencial, contava com o apoio de 17 estados e com o voto de mais de 90% do eleitorado paulista. Eleito em 1.º de maio de 1930, não tomou posse.

A Aliança Liberal em 3/10/1930 tomou os três Estados de origem (MG, RS e PB) e rumou com tropas para a Capital Federal. Em 24/10/1930 ocorre o triunfo da Revolução de 1930, o golpe militar comandado por comandantes militares no Rio de Janeiro depõe Washington Luis e entrega em 3/11/1930 o Poder a Getúlio Vargas, instalando-se no Brasil um Governo Provisório, sem constituição, nos moldes de uma verdadeira ditadura.

São Paulo perde autonomia, fato que não melhora sequer com a nomeação por Getúlio Vargas de interventor paulista no Estado.

Em 25/01/1932 um meeting (comício) na Praça da Sé reúne cerca de 200.000 pessoas em torno de ideais constitucionalistas. Em fevereiro do mesmo ano, os Partidos Republicano e Democrático de São Paulo se unem para exigir o fim da ditadura e do governo provisório.

o Governo de Getúlio, amparado por inúmeros políticos interventores que não eram paulistas, gerava em São Paulo a sensação de que revolta se dera contra o Estado, criando no povo a sensação de "conquistados". A morte dos estudantes (MMDC) recrudesce o movimento.

O povo pega em armas e a revolução ocorre, embora na verdade São Paulo, que acreditava contar com o apoio de outros estados, se veja praticamente sitiado pelas tropas de Vargas.

O isolamento de São Paulo no conflito gerou situações inusitadas como o uso da matraca (instrumento utilizado para reproduzir os estampidos de uma metralhadora e assim assustar os inimigos) e a criação praticamente artesanal de armas e veículos de guerra (a exemplo do carro blindado criado pela USP).

A revolução de 1932 está retratada em muitas cidades do interior de São Paulo (vide foto, Ribeirão Preto - SP) e na capital, a exemplo do obelisco no Parque do Ibirapuera.

O fato, a exemplo de tantos outros, desmente o lugar comum de que o Brasil não teve conflitos. Trata-se de um dos capítulos de nossa história constitucional que precisa ser cultivada, a fim de propiciar o adensamento de práticas democráticas atreladas ao ideal de formação de um Estado Democrático e Humanitário de Direito.

Dia 10 de julho de 2009. Bem vindos ao compartilhamento de minhas inquietações...